Hernâni Alves
Tutor

Entrevista

Fala-nos sobre os desafios na conceção de produtos digitais, nas tendências, skills a apostar enquanto profissionais da área: apresentamos Hernâni Alves, UX/UI Designer na Growin e tutor do curso intensivo Digital Product Design & Management na EDIT. Lisboa. Lê aqui a sua entrevista.

Perseverança é a faculdade mais valiosa, a produção de um produto digital é um trabalho de ir incrementando valor a pouco e pouco.


Porquê o Design? Conta-nos como foi o teu percurso académico e profissional e como chegaste às áreas de UX/UI e Digital Product Design.

Comecei inconscientemente e talvez demasiado cedo. Ou melhor, não tinha nem a maturidade nem o conhecimento informado para a decisão que viria influenciar o meu percurso de forma tão determinante. Inscrevi-me no décimo ano no Curso Tecnológico de Design. Devia ter na altura, cerca de 15 anos. Foi aí que tudo começou para mim. Olhando para trás encaro a escolha com alguma naturalidade fruto dessa inconsciência. Foi nessa altura que aprendi muitas das bases e definições que ainda guardo hoje em dia. Depois fui para a faculdade e tirei a licenciatura em Design de Comunicação e Técnicas Gráficas na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre. Esse foi um momento importante, em que comecei a perceber melhor como poderia criar uma abordagem pessoal à leitura dos problemas, aos métodos de trabalho e como executar com excelência. Após a licenciatura mudei-me para Lisboa onde resido e trabalho atualmente. Inicialmente comecei a trabalhar num pequeno atelier de design chamado 2&3D. Fazíamos todo o tipo de projetos de comunicação ligados sobretudo à área cultural, estado e setor público. Desde projetos de identidade visual, design editorial, design de ambientes até wayfinding, só para referir alguns. Estive nessa empresa por 4 anos. Nessa altura percebi que havia muita coisa para fazer no mundo digital. Lembro-me perfeitamente do momento em que estava a desenhar um museu e estava mais interessado no potencial das soluções digitais que estávamos a implementar do que com a museografia. Lembro-me de ter também sido influenciado por vídeos de future vision da Vodafone criados por uma empresa chamada North Kingdom e ter pensado: “Estes interfaces… isto está tudo por fazer!”. Nessa altura já tinha algumas bases de web devido à diversidade do curso de design de comunicação por isso optei por investir mais em webdesign. Quando começo em 2011 a trabalhar produtos digitais numa empresa chamada Construlink, percebi que estava mal preparado. Estava num duplo papel, tinha que ajudar as equipas de produto interno a desenvolver layouts aplicativos e também tinha que promover esses mesmos produtos em ligação ao departamento de marketing através de landing pages e product datasheets. Isso deu-me uma perspetiva global do nosso trabalho. Percebi que havia algo chamado Design Thinking que traduzia alguns dos meus processos de um modo estruturado e orientado para a colaboração e também que, e isto é muito importante, que a abordagem do designer como autor – pensar e executar segundo o seu próprio gosto – poderia estar errada. Começo a aproximar-me do UX, a estudar processos criativos de outros designers e a descobrir o Lean. Esta é uma área fascinante e em constante mudança. Por isso, desde essa altura que invisto muito do meu tempo em formação. Participei no processo de transformação digital da seguradora Tranquilidade e das ferramentas internas da companhia. Ao mesmo tempo em que isto tudo acontecia, concluí o mestrado em Design e Cultura Visual no IADE. Que me deu uma boa base em design especulativo, fotografia, ética e cultura visual. Não considero que a minha formação tenha terminado e estou à procura do momento certo para iniciar o doutoramento. Atualmente estou na Outsystems com UX lead onde fazemos um trabalho interessante em contexto hospitalar no Médio Oriente.


Na tua ótica, quais são os maiores desafios que surgem na conceção de um produto digital?

Há vários desafios, cada projeto é estruturalmente diferente. No entanto podemos talvez identificar duas dimensões claras:

A primeira ao nível do negócio/área do projeto. Sabemos que não estamos em Silicon Valley, Berlin ou Londres. Estamos em Lisboa, é esse o nosso contexto. A nossa envolvência. Isso revela-se nos budgets que podem limitar ou libertar uma equipa. O tempo de execução também. Os dois estão sempre ligados. Isso pode comprometer o sucesso e incluir incertezas na conceção, quando dispensamos, por exemplo, as fases de teste e iteração. Não me estou a queixar… (risos). Em design gostamos de limitações, são esses constrangimentos que nos ajudam a manter ambos os pés assentes na terra e conhecer os pontos fracos da nossa solução.

A segunda dimensão diz respeito à equipa. É importante haver pessoas com a mentalidade certa, leia-se atitude de experimentação, vontade de evoluir e com sentido de propósito. Deve haver alguma margem para aprender e liberdade para errar. Mesmo não tendo as melhores condições, uma equipa com a cabeça no sítio certo geralmente faz um bom trabalho. Por isso, a formação e a partilha de experiências e conhecimento entre colegas e pares, são muito importantes.


Que tendências prevês que surjam nestas áreas do digital nos próximos tempos?

Quando falamos de tendências podemos facilmente ser levados ao facilitismo das buzzwords e ao engano de acharmos que já conhecemos e sempre aplicámos o último método no nosso processo intuitivo. Isto é cada vez mais um desafio. Trabalhar em design sempre foi trabalhar no futuro. Desenhar para daqui a um mês, 6 meses, 1 ano. Como sempre estive com esse desfasamento entendo que existem algumas coisas que mudam muito rapidamente e outras que demoram mais a mudar. A biologia humana mudou pouco desde o tempo dos romanos, mas a sociedade mudou muito a maneira de pensar. Desde a abolição da escravatura, ao sufrágio universal, aos direitos sociais de minorias. Agora sabemos que os robots vêm aí. Que a automação de tarefas e a inteligência artificial vão ter cada vez mais relevância. Também me assusta o fato de nunca haver tanta população no mundo e estarmos todos a trabalhar para uma transformação digital que muitas vezes se reflete em otimizar processos e retirar pessoas que consideramos redundantes da equação. Sabemos também que se queremos ser relevantes temos que procurar aptidões diferentes. Aptidões no âmbito da facilitação da colaboração entre equipas multidisciplinares, no âmbito da visualização do trabalho e alinhamento das partes interessadas nos projetos. Também imagino que as primeiras tarefas a desaparecerem serão aquelas que não necessitem de criatividade ou rapidez de adaptação e reação. Serão as mais frequentes e banais. Apesar disso, foi mais fácil colocar um computador a ganhar um jogo de xadrez a um humano que fazer um carro andar sozinho. Por isso mesmo, prevejo que uma tarefa de execução sairá cada vez mais das mãos dos executantes. A proliferação de ferramentas de design indica isso mesmo. Software como o Canva ou o projeto the Grid.io são exemplos dessa tendência. As ferramentas de low code também. Algum agnosticismo relativamente às ferramentas e uma abertura a um tipo de executante menos treinado. O domínio do software só nos leva até certo ponto. Lembram-se do Freehand, Fireworks e Flash? Vejo uma separação do papel do designer digital em dois tipos. UX researcher e Product designer. Muito pelo que o mercado começa a pedir e por causa da descrença em unicórnios. Quanto ao que vamos criar? Acho que isso será o maior desafio numa altura em que se fala tanto de ética de futuro e estratégia em design. Consigo imaginar muitos projetos interessantes em realidade aumentada e realidade virtual ao nível do e-commerce e entretenimento. E também uma possível perda de significância do mercado das apps e dos smartphones devido à proliferação de objetos conectados no nosso dia-a-dia.


Dos projetos em que já participaste, quais consideras que tenham sido os mais desafiantes?

O projeto mais desafiante é sempre o último. Gosto de me sentir fora de pé e decido os próximos passos na minha carreira em função do que pretendo aprender. Neste momento, ajudar a desenhar um software médico presente em alguns hospitais no Kuwait é bastante desafiante. Uma má decisão de product design pode causar uma desatenção de um médico que pode, por sua vez, causar um problema de saúde a um paciente. Como este projeto tem a sua expressão prática numa geografia particular, um dos maiores desafios recentes foi fazer uma viagem de 6000km para fazer um teste de usabilidade a um utilizador com uma cultura diferente da minha, num interface com um sentido de leitura diferente do meu e escrito numa língua diferente.


De que forma te manténs atualizado sobre a área de UX/UI Design e Digital Product Design? Há algum tipo de recursos/plataformas que tenhas como preferência?

Sim, para aprender processos de trabalho não há nada melhor do que participar em workshops. Por exemplo, os workshops de fim de semana da EDIT. são excelentes em termos de conteúdo e ótimos para conhecer colegas. Há sempre duas conferências a que vou todos os anos: a UXLX e a Productized. Os workshops dessas conferências são muito bons e influenciam muito a aprendizagem daquilo que o meu ano será. Quando vejo um orador de que gosto, vou procurar outras apresentações desse mesmo orador em outras conferências no youtube, TED talks, livros que escreveu e tento seguir o seu trabalho no Linkedin e Twitter. Para além disso existem diversos sites de cursos online que subscrevo como o Skillshare ou o Udemy, que são essenciais a melhorias, experiências que faço na minha prática. Numa base de consulta mais frequente, o Medium é uma plataforma de publicação de artigos diversificados, mas é um dos melhores recursos que existem em termos de digital design.


Gostas da experiência de ser tutor do curso intensivo da EDIT. Lisboa, Digital Product Design & Management? Como são as tuas aulas?

Estou a gostar muito. A maior parte dos formandos têm os seus trabalhos e vêm para a EDIT. ao final do dia com expetativa de aumentar as suas competências e conhecimento. Na maioria são profissionais que já têm experiência no mercado de trabalho e trazem as suas vivências para enriquecer a conversa. Vêm com o espírito certo e estão a fazer um investimento na aprendizagem. Por isso sinto a grande responsabilidade de cumprir com essa expectativa. Procuro que estas horas que passamos juntos ao final do dia sejam mais que momentos de passagem e absorção de conhecimento, procuro que sejam também sessões práticas dinâmicas e uma experiência de partilha de experiências. A dinâmica depende muito do grupo que tenho à minha frente. Não revelando muito, há uma componente teórica que serve de base, sobre a qual discutimos os processos de design em produto e uma componente prática onde executamos um design sprint e praticamos variados métodos de ideação. São sugeridos caminhos, são seguidos alguns processos mediante a necessidade e conhecimento dos formandos. Usamos mais post-its e papel que computadores. Tenho muito orgulho da primeira edição do curso e da postura e trabalho feito pelos formandos durante o Projeto 360º.


Por fim, que skills deverá ter um profissional desta área, e como se pode diferenciar no mercado de trabalho?

Apesar de estarmos a trabalhar com a definição de Digital Product design, na verdade, a disciplina de design digital está em constante mudança. Há muitas coisas em comum com UX e com Interaction design. A principal diferença é que estamos no mundo de produtos e não no da comunicação. E esse mundo é fundamentalmente diferente do design de produto tradicional por causa da sua natureza digital e possibilidade de fácil iteração. É diferente de uma série ou versão limitadas. Estamos no universo de entrega contínua. As decisões são mais difíceis porque as suas consequências voltam para nós e limitam as opções futuras. Temos que procurar excelência, mas por vezes não a conseguimos à primeira. Perseverança é a faculdade mais valiosa, a produção de um produto digital é um trabalho de ir incrementando valor a pouco e pouco. Outra característica importante é curiosidade natural e espírito crítico. Perguntar porquê e não ter medo das respostas. Duvidar quando parece que correu bem à primeira. Investir em formação e não considerar que há apenas uma maneira de trabalhar. Perguntar quando não sabemos mesmo. Outra característica que pode ajudar é empatia. Ter em mente que nem todas as pessoas com quem trabalhamos têm o nosso entendimento e treino. Por isso é preciso adaptar a linguagem para garantir que todos nos entendemos. E não esquecer que, a maior parte das vezes, nós não somos os nossos utilizadores.



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